domingo, 5 de janeiro de 2025

O que é a Psicologia Tomista?

Escrito e publicado por Rhuan M. E. Honório, psicólogo clínico / rhuanhonorio.com.br 


Rhuan M. E. Honório


Nos últimos anos, popularizou-se no Brasil uma “nova” (não tão nova quanto aparenta) “abordagem” psicológica-psicoterapêutica [leia: o que é uma abordagem terapêutica?] que se basearia nos escritos de Santo Tomás de Aquino, um teólogo católico italiano do século XIII cujas obras são da mais alta importância no pensamento universal, não somente para a teologia, mas também para a filosofia.

Essa abordagem frequentemente enfrenta críticas e objeções de todos os lados, e essas objeções são frequentemente mal respondidas ou ignoradas por boa parte dos psicólogos que se identificam como tomistas. Na verdade, parece que parte dos entusiastas da psicologia tomista não entendem com clareza a posição epistemológica dessa “abordagem”. É esta uma das razões pelas quais a psicologia tomista é por vezes incompreendida ou exposta às críticas progressistas e cientificistas.

Para responder à questão que dá título a este texto, é preciso antes desfazer uma confusão que afeta toda a compreensão do assunto: ao contrário do que se imagina, psicologia (do grego psykhḗ, "alma", "mente" ou "espírito", e logía, "estudo" ou "tratado"), no sentido original e mais correto do termo, NÃO é a mesma coisa que entendemos por psicologia hoje em dia. A psicologia, na verdade, é o estudo da alma, do princípio que anima os seres vivos (inclusive animais e vegetais), com suas propriedades, potências, apetites, etc. É uma disciplina teórica, e não tem por si mesma aplicação prática, ou seja, não se ordena a reunir conhecimentos para a realização de uma psicoterapia. O que conhecemos por psicologia terapêutica, na verdade, é uma atividade prática que se serve de diversas ciências. Daí que o tratado de psicologia tomista mais importante (cujo título inspira o nome deste blog) se chame “La praxis de la psicología y sus niveles epistemológicos según Santo Tomás de Aquino”.  Podemos ilustrar: quando um psicólogo indica um exercício que visa a alteração de uma conduta considerada desordenada, se utiliza da ética para a consideração de tal conduta (a ética fornece a norma que determina que uma conduta é inadequada, viciosa, e informa a conduta virtuosa contrária); se aplica uma técnica como a dessensibilização sistemática, que é um método de exposição gradual aplicado, por exemplo, às fobias, se utiliza de um conhecimento “médico”, por assim dizer, porque visa o condicionamento, que é algo de nível mais biológico, corporal (lembremo-nos que o cérebro faz parte do corpo); quando utiliza o conhecimento dos apetites inferiores da alma para educar o paciente sobre a sua vida psíquica, se utiliza de conhecimentos da psicologia (no sentido original), que também é uma das ciências de que se serve o psicólogo para a prática da psicoterapia. Haveria outros exemplos. A ética é a ciência principal neste conjunto de ciências, porque oferece ao psicólogo as regras de aplicação para quase todas as outras.

É certo que todo psicólogo se utilizará de princípios filosóficos (bons ou maus, recebidos pelo estudo ou pelo espírito do tempo) para tratar de tais realidades, porque são realidades inseparáveis do processo psicoterapêutico. Que muitos não assumam isso em nome de uma postura cientificista, ou pior, que muitos nem saibam da filosofia por trás do que dizem, é outra questão.

Daí podemos responder: relevando a impropriedade do termo há pouco mencionada, podemos chamar psicologia tomista à psicologia terapêutica que se baseia nos princípios filosóficos do tomismo quanto à ética, à psicologia, e a qualquer outra ciência particular de que um psicólogo clínico necessite se servir para a fundamentação de sua prática. Nada impede que um psicólogo tomista se utilize de uma ideia vinda de outra escola, desde que não contradiga os princípios do tomismo. É comum encontrar boas práticas para aquela parte que anteriormente chamamos “médica” na terapia cognitivo-comportamental (TCC), por exemplo. O que se faz é retirar a prática de seu contexto filosófico original, positivista e redutivo no caso da TCC, e utilizá-la segundo a consideração tomista do homem. Isso valeria para qualquer descoberta verdadeiramente científica de qualquer outra corrente.

E se um defensor da psicologia moderna objetar com chavões como “ciência e filosofia não se misturam” ou “a psicologia se separou da filosofia”, pergunto: se um psicólogo não pode se basear em Tomás de Aquino, por que Freud podia se basear em Nietzsche, von Hartmann, etc?; por que Viktor Frankl podia se basear em Heidegger, Max Scheler e outros?; por que os terapeutas comportamentais podiam se basear nos princípios filosóficos positivistas de Comte? Há exemplos para qualquer abordagem. Não se pode separar a atividade do psicólogo da filosofia, porque uma afirmação que nega a necessidade da filosofia já é uma afirmação filosófica.

 

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