Escrito e publicado por Rhuan M. E. Honório, psicólogo clínico / rhuanhonorio.com.br
Rhuan M. E. Honório
Nos últimos anos, popularizou-se no
Brasil uma “nova” (não tão nova quanto aparenta) “abordagem” psicológica-psicoterapêutica
[leia: o que é uma abordagem terapêutica?] que se basearia nos escritos de
Santo Tomás de Aquino, um teólogo católico italiano do século XIII cujas obras
são da mais alta importância no pensamento universal, não somente para a
teologia, mas também para a filosofia.
Essa abordagem frequentemente enfrenta críticas e objeções de todos os lados, e essas objeções são frequentemente mal respondidas ou ignoradas por boa parte dos psicólogos que se identificam como tomistas. Na verdade, parece que parte dos entusiastas da psicologia tomista não entendem com clareza a posição epistemológica dessa “abordagem”. É esta uma das razões pelas quais a psicologia tomista é por vezes incompreendida ou exposta às críticas progressistas e cientificistas.
Para responder à questão que dá
título a este texto, é preciso antes desfazer uma confusão que afeta toda a
compreensão do assunto: ao contrário do que se imagina, psicologia (do grego
psykhḗ, "alma", "mente" ou "espírito", e logía,
"estudo" ou "tratado"), no sentido original e mais correto
do termo, NÃO é a mesma coisa que entendemos por psicologia hoje em dia. A
psicologia, na verdade, é o estudo da alma, do princípio que anima os seres vivos (inclusive animais
e vegetais), com suas propriedades, potências, apetites, etc. É uma disciplina
teórica, e não tem por si mesma aplicação prática, ou seja, não se ordena a
reunir conhecimentos para a realização de uma psicoterapia. O que conhecemos
por psicologia terapêutica, na verdade, é uma atividade prática que se serve de
diversas ciências. Daí que o tratado de psicologia tomista mais importante (cujo título inspira o nome deste blog) se chame “La
praxis de la psicología y sus niveles
epistemológicos según Santo Tomás de Aquino”. Podemos ilustrar: quando um
psicólogo indica um exercício que visa a alteração de uma conduta considerada
desordenada, se utiliza da ética para
a consideração de tal conduta (a ética fornece a norma que determina que uma
conduta é inadequada, viciosa, e informa a conduta virtuosa contrária); se aplica uma técnica como a
dessensibilização sistemática, que é um método de exposição gradual aplicado,
por exemplo, às fobias, se utiliza de um conhecimento “médico”, por assim dizer,
porque visa o condicionamento, que é
algo de nível mais biológico, corporal (lembremo-nos que o cérebro faz parte do
corpo); quando utiliza o conhecimento dos apetites inferiores da alma para
educar o paciente sobre a sua vida psíquica, se utiliza de conhecimentos da
psicologia (no sentido original), que também é uma das ciências de que se serve
o psicólogo para a prática da psicoterapia. Haveria outros exemplos. A ética é
a ciência principal neste conjunto de ciências, porque oferece ao psicólogo as regras
de aplicação para quase todas as outras.
É certo que todo psicólogo se
utilizará de princípios filosóficos (bons ou maus, recebidos pelo estudo ou
pelo espírito do tempo) para tratar
de tais realidades, porque são realidades inseparáveis do processo
psicoterapêutico. Que muitos não assumam isso em nome de uma postura
cientificista, ou pior, que muitos nem saibam da filosofia por trás do que
dizem, é outra questão.
Daí podemos responder: relevando a
impropriedade do termo há pouco mencionada, podemos chamar psicologia tomista à psicologia terapêutica que se baseia nos
princípios filosóficos do tomismo quanto à ética, à psicologia, e a qualquer outra ciência particular de que um psicólogo clínico
necessite se servir para a fundamentação de sua prática. Nada impede que um
psicólogo tomista se utilize de uma ideia vinda de outra escola, desde que não
contradiga os princípios do tomismo. É comum encontrar boas práticas para
aquela parte que anteriormente chamamos “médica” na terapia
cognitivo-comportamental (TCC), por exemplo. O que se faz é retirar a prática
de seu contexto filosófico original, positivista e redutivo no caso da TCC, e utilizá-la segundo a consideração tomista do homem. Isso valeria para qualquer
descoberta verdadeiramente científica de qualquer outra corrente.
E se um defensor da psicologia
moderna objetar com chavões como “ciência e filosofia não se misturam” ou “a
psicologia se separou da filosofia”, pergunto: se um psicólogo não pode se
basear em Tomás de Aquino, por que Freud podia se basear em Nietzsche, von
Hartmann, etc?; por que Viktor Frankl podia se basear em Heidegger, Max Scheler
e outros?; por que os terapeutas comportamentais podiam se basear nos
princípios filosóficos positivistas de Comte? Há exemplos para qualquer abordagem. Não se
pode separar a atividade do psicólogo da filosofia, porque uma afirmação que nega a necessidade
da filosofia já é uma afirmação filosófica.
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