quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Diretrizes de Pio XII para psicólogos

Publicado por Rhuan M. E. Honório, psicólogo clínico / rhuanhonorio.com.br


Fonte: Edvino Friderichs S.J. (Ed.). Mensagem de Pio XII aos médicos. Paulinas, 1958, 125-134.

 

Em discurso que ficará célebre, pronunciado ao receber, no dia 13 de abril de 1953, os membros do V Congresso de psicoterapia e psicologia clínica, Sua Santidade indicou a atitude fundamental que se impõe ao psicólogo e psicoterapeuta cristão.

São especialmente importantes essas diretrizes no campo psicológico numa era que perdeu a noção do pecado e pretende atribuir tudo a dinamismos, determinismos e mecanismos ocultos nas profundezas da alma. Contra isso pondera claramente o Papa: «A psicologia técnica e prática não pode perder de vista nem as verdades estabelecidas pela razão e pela fé, nem os preceitos obrigatórios da moral».

Pelo fim de sua exposição, emite o Santo Padre um conceito importantíssimo sobre a colaboração do médico com o sacerdote e vice-versa, dizendo: «O meio de eliminar a falta não depende só do psicólogo. Como todo o cristão sabe, consiste na contrição e na absolvição sacramental dada pelo padre. Aqui é a fonte do mal, a própria falta que é extirpada, embora o remorso continue talvez a trabalhar. Não é raro nos nossos dias que em alguns casos patológicos o padre mande o seu penitente ao médico; no caso presente o médico devia, pelo contrário, dirigir o seu cliente a Deus e àqueles que têm o poder de perdoar até a falta em nome de Deus.»

 

Sede bem-vindos, queridos filhos e filhas, que viestes de todo o mundo e vos reunistes em Roma para ouvir doutas exposições e discutir questões de Psicoterapia e de Psicologia clínica. O vosso Congresso terminou e, para garantir os seus resultados e o êxito das vossas investigações e atividades futuras, vindes receber a Bênção do Vigário de Cristo. De boa vontade, satisfazemos o vosso desejo e aproveitamos a oportunidade para vos dirigir uma palavra de exortação e dar-vos algumas diretrizes.

A ciência afirma que novas observações revelaram as camadas profundas do psiquismo humano e esforça-se por compreender estas descobertas, interpretá-las e torná-las utilizáveis. Fala-se de dinamismos, de determinismos e de mecanismos escondidos nas profundezas da alma, dotados de leis imanentes, de que brotam certos modos de agir. Sem dúvida, estes são postos em ação no subconsciente ou no inconsciente, mas penetram também no domínio da consciência e o determinam. Pretende-se dispor de processos provados e reconhecidos aptos para sondar o mistério dessas profundezas da alma, esclarecê-las e repô-las no reto caminho, quando exercem influência nefasta.

Essas questões que se prestam ao exame da Psicologia científica são da vossa competência. O mesmo se diga do emprego dos novos métodos psíquicos. Mas, uma e outra, a Psicologia técnica e a prática, saibam que não podem perder de vista nem as verdades estabelecidas pela razão e pela fé, nem os preceitos obrigatórios da moral.

O ano passado, no mês de setembro (13 de setembro de 1952), para satisfazer o desejo dos membros do Primeiro Congresso Internacional de Histopatologia do Sistema Nervoso, indicamos os limites morais dos métodos medicinais de investigação e tratamento. Baseados nessa exposição, desejávamos hoje acrescentar alguns complementos. Em poucas palavras, temos a intenção de indicar a atitude fundamental que se impõe ao psicólogo e ao psicoterapeuta cristão.

Esta atitude fundamental resume-se na fórmula seguinte: a psicoterapia e a Psicologia clínica devem, sempre, considerar o homem: 1) como unidade e todo psíquico; 2) como unidade estruturada em si mesma; 3) como unidade social; 4) como unidade transcendental, ou seja, com tendência para Deus.

 

1. O HOMEM COMO UNIDADE E TODO PSÍQUICO

A medicina ensina a olhar o corpo humano como um mecanismo de alta precisão, cujos elementos se entrosam uns nos outros e se ligam uns aos outros; o lugar e as características desses elementos dependem do todo, e são úteis à sua existência e funções. Mas esta concepção aplica-se ainda muito melhor à alma, cujas engrenagens delicadas estão unidas com muito mais cuidado. As diversas faculdades e funções psíquicas inserem-se no conjunto do ser espiritual e subordinam-se à sua finalidade.

É escusado desenvolver ainda mais este ponto. Mas vós, os psicólogos e terapeutas, deveis ter em conta este fato: a existência de cada faculdade ou função psíquica justifica-se pelo fim do todo. O que constitui o homem é principalmente a alma, forma substancial da sua natureza. É dela que deriva, em última análise, toda a vida humana; nela radicam todos os dinamismos psíquicos, com sua estrutura própria e lei orgânica. É ela que a natureza encarrega de governar todas as energias, na medida em que não tenham alcançado a sua última determinação. Deste fato ontológico e psíquico segue-se que seria afastar-se da realidade querer, em teoria ou na prática, confiar o papel determinante do todo a um fator particular, por exemplo, a um dos dinamismos psíquicos elementares, confiando assim o leme a uma potência secundária. Estes dinamismos podem encontrar-se na alma, no homem; mas não são a alma, nem o homem. São energias de intensidade considerável talvez, mas a natureza confiou a sua direção ao posto central, à alma espiritual, dotada de inteligência e de vontade, e capaz normalmente de governar essas energias. Que estes dinamismos exerçam a sua pressão sobre uma atividade não significa necessariamente que forçam a mesma. Contestando à alma o seu lugar central, negar-se-ia uma realidade ontológica e psíquica.

Não é possível, portanto, quando se estuda a relação do eu com os dinamismos que o compõem, conceder sem reservas, em teoria, a autonomia do homem, ou seja, da sua alma, e ao mesmo tempo acrescentar que, na realidade da vida, este princípio teórico aparece, o mais das vezes, derrotado ou pelo menos extremamente minimizado. Na realidade da vida, diz-se, fica sempre ao homem a liberdade de dar o seu consentimento interior àquilo que ele realiza, mas não a de o realizar. À autonomia da vontade livre substitui-se a heteronomia do dinamismo instintivo. Não foi assim que o Criador talhou o homem. O pecado original não lhe tira a possibilidade e a obrigação de se deixar guiar pela alma. Não se há de afirmar que as perturbações psíquicas e as doenças que estorvam o trabalho normal do psiquismo são o fato habitual. A luta moral para ficar no reto caminho não demonstra a impossibilidade de o seguir, nem autoriza a recuar.

 

2. O HOMEM COMO UNIDADE DE ESTRUTURA

O homem é uma unidade e um todo ordenados; um microcosmo, uma espécie de estado cuja constituição, determinada pelo fim do todo, subordina a este fim a atividade das partes segundo a ordem verdadeira do seu valor e da sua função. Essa constituição, em última análise, é de origem ontológica e metafísica, não psicológica e pessoal. Julgou-se dever acentuar a oposição entre metafísica e Psicologia. Muito errado. O próprio psíquico pertence ao domínio do ontológico e do metafísico.

Quisemos recordar-vos esta verdade para lhe ligar uma observação sobre o homem concreto, cuja estrutura interna estamos examinando. Pretendeu-se, com efeito, estabelecer a antinomia da Psicologia e da Ética tradicionais em face da Psicologia clínica e da psicoterapia modernas. A Psicologia e a Ética tradicionais têm por objeto, afirma-se, o ser abstrato do homem, o «homo ut sic», que certamente não existe em parte alguma. Sem dúvida merecem admiração a clareza e coerência lógica dessas ciências, mas sofrem de um mal de raiz: são inaplicáveis ao homem real, tal qual existe. A Psicologia clínica, ao contrário, parte do homem real, do «homo ut hic». E conclui-se: entre as duas concepções, abre-se um abismo insuperável, enquanto a Psicologia e a Ética tradicionais não mudarem de posição.

Quem estuda a constituição do homem real deve, com efeito, tomar como objeto o homem «existencial», tal qual é, tal qual o fizeram as suas disposições naturais, as influências do meio, a educação, a sua evolução pessoal, as suas experiências íntimas e os acontecimentos de fora. Existe somente esse homem concreto. E, contudo, a estrutura deste eu pessoal obedece, nos mínimos pormenores, às leis ontológicas e metafísicas da natureza humana de que falamos mais acima. Foram elas que a formaram e por isso a devem governar e julgar. A razão disto é que o homem «existencial» se identifica na sua estrutura íntima com o homem «essencial». A estrutura essencial do homem não desaparece quando se lhe ajuntam as notas individuais; nem se transforma n’outra natureza humana. Mas a lei fundamental de que se tratava há pouco, precisamente, repousa seus enunciados principais sobre a estrutura essencial do homem concreto, real.

Por conseguinte, seria errôneo fixar para a vida real normas que se afastassem da moral natural e cristã, e que se designassem com o vocábulo de «ética personalista»: esta sem dúvida receberia daquela uma certa orientação, mas nem por isso, comportaria obrigação estrita. A lei de estrutura do homem concreto não se deve inverter, mas aplicar.

 

3. O HOMEM COMO UNIDADE SOCIAL

O que até aqui temos dito refere-se ao homem na sua vida pessoal. O psíquico compreende também as suas relações com o mundo exterior, e é um trabalho digno de louvor, um campo aberto às vossas investigações, estudar o psiquismo social em si mesmo e nas suas raízes, e torná-lo utilizável para efeitos da Psicologia clínica e da psicoterapia. Procure-se, nessa questão, distinguir cuidadosamente os fatos em si mesmos da sua interpretação.

O psiquismo social pertence também à moralidade, e as conclusões da moral coincidem em grande parte com as da Psicologia e psicoterapia sérias. Mas alguns pontos há em que a aplicação do psiquismo social peca por excesso ou por defeito: é nisso que queríamos demorar-Nos brevemente.

 

ERRO POR DEFEITO

Existe um mal-estar psicológico e moral, a inibição do eu, cujas causas a vossa ciência se ocupa em descobrir. Quando essa inibição invade o campo moral, por exemplo, quando se trata de dinamismos, como o instinto de dominação, de superioridade e o instinto sexual, a psicoterapia não poderia, sem mais, tratar essa inibição do eu como uma espécie de fatalidade, como uma tirania do impulso afetivo que brota do subconsciente e escapa simplesmente à vigilância da consciência e da alma. Não se abaixe, tão facilmente, o homem concreto, com o seu caráter pessoal, à categoria do animal. Apesar das boas intenções do terapeuta, alguns espíritos delicados ressentem-se amargamente dessa degradação ao plano da vida instintiva e sensitiva. Nem se desprezem as nossas observações precedentes sobre a ordem de valor das funções e o papel da sua direção central.

Uma palavra, também, sobre o método às vezes usado pelo psicólogo para libertar o eu da sua inibição no caso de aberração no domínio sexual. Referimo-Nos à iniciação sexual completa, que nada quer ocultar, nem deixar na escuridão. Não há nisso uma excessiva e perniciosa estima do saber? Existe também uma educação sexual eficaz, que, com toda a segurança, ensina, na calma e objetividade, o que o jovem deve saber para se guiar a si mesmo e tratar com o seu meio. Para o resto, há de insistir-se, na educação sexual como aliás em toda educação, sobre o domínio de si mesmo e a formação religiosa. A Santa Sé publicou normas a este respeito pouco depois da Encíclica de Pio XI sobre o matrimônio cristão. (S.C.S. Off. 21 de março de 1931); Acta Ap. Sedis, a XXII 1931, p. 118). Essas normas não foram retiradas, nem expressamente, nem «via facti».

O que acabamos de dizer da iniciação inconsiderada para fins terapêuticos vale também para certas formas de psicanálise. Não se devia considerá-las como o único meio de atenuar ou curar perturbações sexuais psíquicas. O princípio repisado, de que as perturbações sexuais do inconsciente, como todas as outras inibições de origem idêntica, não podem ser suprimidas senão pela sua evocação à consciência, não tem valor se é generalizado indiscriminadamente. O tratamento indireto tem também a sua eficácia e, muitas vezes, é perfeitamente suficiente. No que diz respeito ao emprego do método psicanalítico no domínio sexual, a Nossa alocução de 13 de setembro, citada mais acima, já indicou os seus limites morais. Com efeito, não se pode considerar, sem mais, como lícita, a evocação à consciência de todas as representações, emoções e experiências sexuais que dormiam na memória e no inconsciente e que se atualizam assim no psiquismo. Se se ouvem os protestos da dignidade humana e cristã, quem ousaria afirmar que esse processo não traz consigo nenhum perigo moral, quer imediato, quer futuro, ao passo que, embora se defenda a necessidade terapêutica de uma exploração sem limites, esta necessidade, de resto, não está provada?

 

O ERRO POR EXCESSO

Consiste em salientar a exigência de um abandono total do eu e da sua afirmação pessoal. A este propósito, queremos frisar dois pontos: um princípio geral e um ponto de prática psicoterapêutica.

De certas explicações psicológicas, nasce a tese de que a extroversão incondicionada do eu constitui a lei fundamental do altruísmo congênito e dos seus dinamismos. É um erro lógico, psicológico e ético. Existe uma defesa, uma estima, um amor e serviço de si mesmo não só justificados, mas até exigidos pela Psicologia e pela Moral. É uma evidência natural e uma lição da fé cristã (cf. S. Thomas, S. Th. II-II, q. 26, a. 4 in c.)! O senhor ensinou: «Amarás ao teu próximo como a ti mesmo» (Mc. 12, 31). Cristo propõe, portanto, como regra do amor do próximo, a caridade para consigo mesmo, não o contrário. A Psicologia aplicada desprezaria esta realidade se qualificasse toda a consideração do eu de inibição psíquica, de erro e de regresso a uma fase de desenvolvimento anterior, sob pretexto de que ela se opõe ao altruísmo natural do psiquismo.

O ponto de prática psicoterapêutica, que anunciamos, diz respeito a um interesse essencial da sociedade: a salvaguarda dos segredos que o uso da psicanálise põe em perigo. Não se exclui absolutamente que um fato ou um conhecimento secretos e reprimidos no subconsciente provoquem conflitos psíquicos sérios. Se a psicanálise descobrir a causa desta perturbação, há-de querer, segundo o seu princípio, evocar completamente este inconsciente e remover o obstáculo. Mas segredos há que é preciso absolutamente ocultar, mesmo ao médico, e até mesmo a despeito de inconvenientes pessoais graves. O segredo da confissão não pode ser revelado; o segredo profissional também não pode ser comunicado a outrem, nem sequer ao médico. Recorre-se ao princípio: «Ex causa proportionate gravi licet uni viro prudenti et secreti tenaci secretum manifestare». Por uma razão proporcionadamente grave, é lícito manifestar um segredo a um homem prudente e de absoluta confiança, que garanta o sigilo). O princípio é exato nos justos limites, para algumas espécies de segredos. Não convém usá-lo indiscriminadamente na prática psicanalítica.

Do ponto de vista da moralidade, do bem comum em primeiro lugar, o princípio da discrição no uso da psicanálise não pode ser suficientemente enfatizado. Trata-se, evidentemente, em primeiro lugar, não da discrição do psicanalista, mas da do paciente, que, muitas vezes, não possui de forma alguma o direito de dispor dos seus segredos.

 

IV. O homem como unidade transcendental, com tendência para Deus

Este último aspecto do homem introduz três questões que não queríamos deixar de ter em conta.

Em primeiro lugar, a investigação científica chama a atenção para um dinamismo que, enraizado nas profundezas do psiquismo, impeliria o homem para o infinito que o ultrapassa, não fazendo-o conhecer, mas através de uma gravitação ascendente, proveniente diretamente do substrato ontológico. Vê-se, nesse dinamismo, uma força independente, a mais fundamental e a mais elementar da alma; um impulso afetivo que leva imediatamente para o Divino, como a flor, sem o saber, se abre à luz e ao sol, ou como a criança respira inconscientemente, desde que nasceu.

Esta afirmação reclama, desde já, uma observação. Se se declara que este dinamismo está na origem de todas as religiões e que manifesta o elemento comum a todas, Nós sabemos, por outro lado, que as religiões, o conhecimento de Deus, natural e sobrenatural, e o seu culto, não derivam do inconsciente ou do subconsciente, nem de um impulso afetivo, mas do conhecimento claro e certo de Deus, por meio de sua revelação natural e positiva. É a doutrina e a fé da Igreja, desde a palavra de Deus no livro da Sabedoria e na Epístola aos Romanos até a Encíclica «Pascendi Dominici gregis» do Nosso Predecessor São Pio X.

Posto isto, há ainda a questão deste misterioso dinamismo. Podia-se dizer, a este respeito, o seguinte: não faz falta, em verdade, acusar a Psicologia profunda se ela se apropria do conteúdo do psiquismo religioso, e se procura analisá-lo e reduzi-lo a sistema científico, mesmo que essa investigação seja nova e a sua terminologia não se encontre no passado. Lembramos este último ponto porque, facilmente, se criam equívocos quando a Psicologia atribui um sentido novo a expressões já em uso. De ambas as partes, é preciso prudência e reserva, para evitar falsas interpretações e tornar possível uma compreensão recíproca.

Pertence aos métodos da vossa ciência esclarecer as questões da existência, da estrutura e da maneira de agir deste dinamismo. Se o resultado fosse positivo, não se devia declará-lo inconciliável com a razão ou com a fé. Demonstraria apenas que o «esse ab alio» é também, até nas suas raízes mais profundas, um «esse ad alium», e que a palavra de Santo Agostinho: «Fizeste-nos para Ti e nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Ti». «Fecisti nos ad te; et inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te» (Conf. 1. I, c. n. 1), encontra uma nova confirmação até no mais íntimo do ser psíquico. Tratar-se-ia, mesmo, de um dinamismo que interessa a todos os homens, a todos os povos, a todas as épocas e a todas as culturas. Que auxílio valioso para a investigação de Deus e para a sua afirmação!

Às revelações transcendentais do psiquismo pertence também o sentimento de culpabilidade, a consciência de ter violado uma lei superior de que todavia se reconhecia a obrigação: consciência que pode tornar-se sofrimento e até perturbação psíquica.

A psicoterapia aborda aqui um fenômeno que não é da sua competência exclusiva, pois é também, se não principalmente, de caráter religioso. Ninguém contestará que pode existir, e não é raro, um sentimento de culpabilidade irracional, doentio até. Mas pode-se ter igualmente consciência de uma falta real que não foi expiada. Nem a Psicologia nem a Ética, possuem critério infalível para os casos especiais, pois o processo de consciência que gera a culpabilidade tem uma estrutura muito pessoal e sutil. Mas, em todo caso, é certo que nenhum tratamento puramente psicológico curará a culpabilidade real. Mesmo que o psicoterapeuta a conteste, de muita boa fé talvez, ela subsiste. Embora o sentimento de culpabilidade seja removido por intervenção médica, por autossugestão ou persuasão alheia, a falta fica; e a psicoterapia enganar-se-ia e enganaria os outros se, para apagar o sentimento de culpabilidade, afirmasse que a falta já não existe.

O meio de eliminar a falta não é puramente psicológico. Como todo cristão sabe, consiste na contrição e na absolvição sacramental dada pelo padre. É a fonte do mal, a própria falta que é extirpada, embora porventura o remorso continue a trabalhar. Não é raro, nos nossos dias, que em alguns casos patológicos o padre mande o seu penitente ao médico. No caso presente, o médico devia, pelo contrário, dirigir o seu cliente a Deus e àqueles que têm o poder de perdoar a falta mesma, em nome de Deus.

Uma última observação a propósito da orientação transcendental do psiquismo para Deus: o respeito de Deus e da sua santidade deve sempre refletir-se nos atos conscientes do homem. Quando estes atos se afastam do modelo divino, embora sem falta subjetiva do interessado, contradizem todavia o seu fim último. Eis o motivo por que o que se chama «pecado material» é uma coisa que não deve ser, e constitui, por conseguinte, na ordem moral, uma realidade que não é indiferente.

 

PERANTE O PECADO, NENHUMA NEUTRALIDADE

Uma conclusão resulta para psicoterapia: ela não pode permanecer neutra perante o pecado material. Pode tolerar o que, no momento, é inevitável. Mas deve saber que Deus não pode justificar esta ação. Muito menos ainda pode a psicoterapia dar ao doente o conselho de cometer tranquilamente um pecado material, porque o fará sem falta subjetiva, e este conselho seria também errado se tal ação devesse parecer necessária para a serenidade psíquica do doente e, por conseguinte, para efeitos de cura. Nunca se pode aconselhar uma ação consciente que seria uma deformação, não uma imagem da perfeição divina.

Eis o que julgamos dever expor-vos. De resto, ficai certos de que a Igreja acompanha, com a sua ardente simpatia e com os melhores votos, as vossas investigações e a vossa prática médica. Trabalhais num terreno muito difícil. Mas a vossa atividade pode marcar preciosos resultados para a medicina, para o conhecimento da alma em geral e para as disposições religiosas do homem e seu desenvolvimento. Que a Providência e a graça divina alumiem a vossa estrada! Com penhor, damos-vos, com paternal benevolência, a Nossa bênção apostólica.

 

 

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